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Algumas palavras

A criação deste blog é tão somente para deixar registrado os meus pensamentos. Por não serem poucos e antes que eles escapassem de mim rumo ao esquecimento, ou que formassem outra idéia sem que antes a primeira estivesse registrada, é que me surgiu a maravilhosa solução para este meu dilema de pensamentos fugitivos: A criação do Liscrevi. Compartilho aqui idéias descabidas, teorias não comprovadas, besteiras, crendices, denúncias, indignação, palhaçadas e coisas sem sentido algum. Tem também artigos sobre Contabilidade, Direito, Economia, Política, e links úteis para os que atuam ou, que tenham interesse nessas áreas. Por acreditar que não somos feitos apenas de carne e osso, é que o esoterismo, o ocultismo, a espiritualidade e o mistério da criação, receberam um espaço nesse blog. Música, cinema, literatura, toda e qualquer manifestação de arte e cultura estão no liscrevi com a mesma importância que tem um recheio de bolo de anivérsário, ou tem graça um bolo sem recheio? rs... Ah! e por falar em culinária, receitinhas milagrosas da vovó fecham com chave de ouro esse Blog, que agora deixa de ser só meu, e passa a ser o nosso cantinho do pensar. Por isso, Bem Vindo a esse cotidiano fora do comum, estou feliz com a sua visita. Leia, comente, reclame, reflita, sinta, exista! \o/

Iriana Gonçalves

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Ego


No meio da sala, ouviu-se:
- Louvável, mas, intitular-se a pessoa mais importante deste mundo, não esconde teus olhos dos meus. E Eu, chorando, silenciou.



segunda-feira, 23 de maio de 2011

A alguns dias da partida

E a produção no Liscrevi não pára! 
Espero que vocês já tenham apreciado o '' Conto de Seu e Jurema''  e se depois de leram criarem a ideia de seres tão mais lindos que a sua concepção de beleza pode suportar, acertaram. 
O prazer de quem escreve é saber que mesmo entregando tudo de si à obra, é a imaginação do leitor que dá vida a criação. 
Nessa publicação somos agraciados com a criação da Talita Boaretto uma amiga querida, inteligente e charmosa, que dividiu comigo um lindo poema que com a sua permissão, divido aqui com vocês:

A alguns dias da Partida
‘’Seria mentira dizer que já não sinto mais
Ainda pulsa entre meus nervos uma dor atroz
Ainda passo a mão entre meu corpo antes de dormir
Como uma forma de acariciar-me e de consolar-me por tudo o que passou
Ainda vertem do meu rosto pequenas lagrimas solitárias
Que parecem brotar de um fundo tão fundo
Que já quase vazio se retorce de vez em quando para lembrar a dor
Seria mentira dizer que não posso mais
E que não sinto mais sua falta
Que ainda hoje as seis da manha acordei de um sonho
E que pensando em você me alegrei e me entristeci
Seria mentira dizer que não te quero aqui
E seria mais mentira ainda dizer que te quero
Não que não sinta
Não que não precise
Apenas estou cansada do coração acelerado
Desses dias mal dormidos
Desses passos longos e arrastados
E dessas lagrimas repentinas
A alguns dias da partida
Ainda estou atônita
E ainda bem, só estou atônita’’.

domingo, 22 de maio de 2011

O conto de Seu e Jurema

Jurema era linda, meiga e sempre teve forte ligação com a água.
Quando ainda criança surpreendia a todos quando desaparecia por minutos em seus mergulhos no rio que tinha perto de sua casa.
Para eles, uma futura mergulhadora, nadadora profissional, para ela, era só brincar de ser sereia.
Os anos se passaram e a criança travessa, meiga e encantadora foi se tornando uma moça a cada dia mais bela, com longos cabelos cacheados da cor da noite, um olhar penetrante, como se tivesse a te despir por dentro, e uma voz tão doce quando mel.
O aniversário de dezoito anos de Jurema se aproximava e sempre coincidiu com as férias de verão.
Era sempre feito uma grande festa, mas seus pais queriam que este ano fosse ainda mais especial que os outros, pois a moçinha de seus olhos estava agora passando para a fase adulta, tornando-se responsável por si ao completar a maior idade.
Percebendo ao longo de anos o fascínio que Jurema tinha sobre as águas programaram uma viajem que iria mudar para sempre o rumo da vida de todos.
Ouviram falar de um parque temático onde a piscina principal tinha canal direto com o mar o que fazia com que muitas criaturas marinhas visitassem as piscinas proporcionando ligação dos humanos com os seres marinhos.
Era mesmo uma ideia extraordinária, inovadora que enchia de expectativa os pais de Jurema que ao longo de anos devido à fascinação que a filha tinha pelas águas também acabaram por se tornar adeptos a essa paixão.
 Contendo a ansiedade, esperaram Jurema chegar do seu último dia de aula para lhe contar a novidade. Não foi preciso convencê-la a ir, foi até engraçado, pois quanto mais ela escutava o que os pais diziam sobre o lugar, mais rápido as malas dela ficavam prontas.
Como era de costume nunca saiam para viajar sozinhos, sempre junto com eles iam também outros familiares: um tio viúvo, irmão de seu pai e, um casal de primos, filhos dele, um menino de sete anos e uma moça de vinte anos que nutria forte inveja dos encantos de Jurema, também a avó e o avô maternos.
Após a conversa entre os três e realizados todos os telefonemas necessários para avisar a todos os outros que também arrumassem as suas malas, saíram ao entardecer para chegar no dia seguinte ainda de manhã no lugar dos sonhos de Jurema.
Hospedaram-se no hotel do parque, e antes mesmo que seus pais tivessem tempo de sugerir que Jurema fosse para a piscina, ela já estava lá.
Entregou as suas malas para o recepcionista do hotel, subiu correndo para o quarto, trocou suas roupas por um biquíni azul marinho, deixou um bilhete para os pais agradecendo por estar ali e desceu correndo para se jogar na água azul clara, que já avistava de longe pela janela do carro enquanto chegava ao parque.
O lugar era lindo, enorme, e a água muito fria, mas isso não importava para Jurema: aquele lugar era encantado por isso esquentava o coração.
A piscina era fora do comum, à sensação era a de se estar nadando em alto mar, água salgada, nas bordas havia algas marinhas, ostras, conchas e o fundo, o chão de areia. Jurema sentiu ter encontrado o seu lar.
Os dias se passavam, e ela ficava cada vez mais envolvida com o lugar e os seres que ora e outra apareciam por lá.
Certa tarde sentada na borda da piscina, molhando os pés, pensativa com o olhar preso ao horizonte, enquanto sentia o seu corpo inteiro ser abraçado pelo sol, decidiu entrar em conversação com uma ostra que também estava ali, e disse:
- Sabe ostra querida, eu sempre quis ter um colar de pérolas, você bem podia me dar uma a cada dia em que eu me sentar aqui e conversar contigo, assim, quando chegar à hora de eu ir embora, posso montar o meu colar.
Nisso Jurema passa a mão sobre a casca da ostra e acariciado-a para a sua surpresa ela se abre, reluzindo de dentro dela com brilho intenso o colar de pérolas que Jurema sempre imaginou ter.
- Ostra querida, que presente maravilhoso tu me deste! Não sei se sou digna deste teu sacrifício, mas, já que tu me deixaste ver a imensa beleza que guardas dentro de ti, prometo: vou cuidar das tuas pérolas com muito amor.
Colocou o colar, e mais uma vez agradeceu a ostra que se fechou e como se tivesse pernas, se jogou no fundo da piscina.
Jurema estava maravilhada! - Como isto é possível? Perguntava a si mesma. Este lugar é mesmo encantado. 
Não demorou muito para que os golfinhos chegassem, vinham sempre no mesmo horário, e o que tinha um pequenino sinal branco entre os olhos era o mais amigo de Jurema: parava em frente a ela, oferecia carona, ela o abraçava e lá se iam os dois como se fossem um a nadar pela piscina, e em meio a mergulhos e acrobacias, passavam juntos à tarde até se despedirem marcando novo encontro para o dia seguinte.
Já haviam se passado dias e Jurema ficava mais bonita: talvez fosse pelo bronzeado dourado que destacava os seus olhos cor de mel encantadores, ou, porque aqueles dias a estavam fazendo se conectar com a sua essência feminina mais sensível. Tornando-a capaz de perceber diferente de outros olhos cheios de pressa que lhe impedem de avistar nas pequenas coisas grandes significados, a magia que havia naquele lugar e na vida de todos os seres que ali habitavam.
Faltavam três dias para o seu aniversário e Jurema sem que percebesse depois que ganhou o seu colar de pérolas já havia criado um habito que mais parecia um ritual: sempre antes de banhar-se primeiro sentava a borda da piscina para apreciar o sol, molhar os pés e conversar com as algas, ostras e outros seres marinhos que viviam ali.
Neste dia em meio a uma conversa que estava tendo com uma alga marinha, sua prima mais velha chegou, e sentando-se ao seu lado e começou a questioná-la:
- Por quê você fica aqui conversando com essas coisas? Isso não faz sentido Jurema! E mais priminha: você acha mesmo que eu acreditei nessa sua história do colar de pérolas? Eu aposto de o titio gastou todas as economias que tinha apenas para satisfazer mais um de seus caprichos! Você vive no mundo a lua! Inventa essas histórias de contos de fadas para nos fazer de bobos! Nenhuma ostra dá um colar de pérolas Jurema! Isso é impossível! E por que tudo sempre tem que ser para você? Eu estou tentando abrir uma ostra há duas semanas e aposto que, se conseguir, é capaz de não ter nada dentro daquela porcaria.
Calmamente Jurema sorriu e respondeu:
- Prima, não me questione quando você mesma já tem todas as respostas, se nenhuma ostra se abriu para você até agora, é porque tu não consegues ver com a alma e coração, o poder que todos os seres têm na Natureza, e nem mesmo respeita a vida contida nela.
Nisso Jurema pega a ostra que estava a sua esquerda e que saltitante, como se estivesse a se oferecer para o sacrifício que viria a fazer logo após as palavras de Jurema, na esperança de que a prima revoltada ao ver a beleza escondida de dentro dela, deixasse entrar em seu coração um pouco daquele brilho oferecido por amor: a ostra se abre nas mãos de Jurema e ela diz:
 - Aqui esta, prima, a sua pérola. Pegue-a, mas cuide bem dela.
A prima abre um largo sorriso, promete cuidar e vai embora feliz para mostrar aos outros o presente que havia acabado de ganhar.
A ostra se fecha e antes que ela se jogasse no fundo na piscina Jurema agradeceu a amiga ostra por ter sido tão compreensiva com o desrespeito que a sua prima apresentou ter com a Natureza e elogiou o amor incondicional que a ostra demonstrou possuir ao oferecer a sua joia para qualquer criatura humana, sendo ela digna ou não de carregar o seu brilho.
A ostra se foi para o fundo e Jurema ficou entristecida, deitada ali mesmo, na borda da piscina, olhou o reflexo do seu rosto na água e com seus olhos cheios de lágrimas teve uma visão: avistou que não muito longe dali, uma tartaruga nadava rumo à piscina, cansada da viagem queria pouso nas areias daquele lugar para depositar seus ovos. Até então, tudo bem, mas, Jurema também viu que atrás desta tartaruga, vinha outra criatura, que talvez fosse perigoso: nadava veloz e sem rumo, e quando avistou esse ser cansado, decidiu como de relâmpago seguir a mesma viajem. Ele era verde com listras laranja e amarela e tinha a pele mais grossa que a própria casca da Tartaruga.
Jurema voltou da visão. Preocupada, decidiu que naquele dia que era melhor não se banhar e sim ficar cuidando o movimento das águas.
Anoiteceu. Ela se despediu dos seres, e desabafou com o golfinho o que a estava afligindo advertindo-o de que tomasse cuidado nos próximos dias e que também avisasse para os outros peixes dos movimentos estranhos que poderiam acontecer no mar.
O sol já apresentava seus primeiros raios e Jurema já estava na beira da piscina principal tal qual uma guardiã das águas. As pessoas nem mesmo tinham acordado para o desjejum e ela já estava lá acompanhando todo o movimento das ondas na esperança que a angustia que teve em sua visão, daquela criatura misteriosa, grande e veloz vindo do alto mar em direção a piscina, fosse um engano ou no mínimo, que ele tivesse mudado de rumo e deixado a Tartaruga seguir viajem sozinha.
- Bom dia seres! Peixinhos, ostras, conchas, moluscos, algas, todos vocês! Não aguento mais um dia sem nadar! Hoje me recebam!
Atirou-se. Mergulhou fundo. Agarrou com as mãos e trouxe à tona a concha mais bela que avistou lá embaixo. Pensou: Ficaria linda em meus cabelos. Ah! Que maravilhoso dia! Essa água em meu corpo refresca minha’lma, cada vinda a superfície, garanto minha viva, mas, a cada mergulho eu me sinto mais em casa. Ah! Dia lindo! Melhor sair agora, vou me esquentar ao sol.
Saiu da água, já era metade da manhã e a piscina começava a ficar mais movimentada pelas pessoas que saiam de seus cafés para aproveitar o dia.
Jurema por instantes esqueceu-se de sua visão, brincou com as crianças que se aproximavam dela, conversou com seus familiares que perguntavam a onde ela estava durante o café na manhã, banhou-se muitas vezes, bebeu alguns refrescos, e após um lanche leve que fez no almoço, sentou-se mais uma vez a borda da piscina de costas para a entrada que dava para o alto mar e olhando-se no espelho para admirar o brilho que o seu colar de pérolas fazia sob os raios de sol, percebeu ao longe pelo reflexo de seu espelho de mão, um movimento estranho nas ondas e um raio colorido que rasgava as águas! Com o coração aos pulos, soube: É ele! É ele, meu Deus! É ele! Ele veio!
As pessoas já começavam a correr para longe da piscina aos berros e ele nadava mais veloz que na sua visão.
Seu tio curioso para saber o que estava acontecendo aproximou-se de Jurema e sem dar tempo de questionar algo para ela, foi surpreendido pela criatura que dera um salto e o puxou para o fundo da piscina.
Seu priminho que via tudo de longe, desesperado ao ver o pai ser puxado pela criatura, veio correndo na mesma direção e também se joga na tentativa de salva-lo.
Jurema não sabia o que fazer, continuava parada, em estado de choque. Foi quando escutou ao longe sua prima gritando:
-Olha! é o meu pai! Ele está vivo!
Jurema acordou! Conseguiu sair do seu estado de paralisia e decidiu agir contra aquele mal que invadia o seu canto de magia.
Olhou ao redor, contou rápido quantas pessoas ainda estavam na água, todas desesperadas e ansiosas para conseguir chegar à borda com vida, viu também que seu tio já estava fora de perigo, já subia pela borda no outro lado da piscina, e a criatura de tudo só conseguira arrancar as suas roupas, imediatamente, lembrou de seu primo que havia se jogado para salvar o pai - teria sido engolido? - Respirou fundo para não entrar em choque novamente e olhando para o fundo viu que o seu primo ainda mergulhava na tentativa de encontrar o pai! Pensou: Tenho que avisá-lo que seu pai já está aqui em cima, e também afastar essa criatura de meu primo.
A criatura estava no canto direito da piscina preparando-se para nadar veloz em direção às pessoas que estavam na outra extremidade e tentavam subir pelas bordas, sem sucesso porque o nervosismo as fazia escorregar a todo o momento além de estarem quase se afogando umas as outras em extinto de sobrevivência. 
Olhava as pessoas, precisava fazer algo para ajudá-las, mas também precisava proteger seu primo, nisso percebeu que ele já não aguentava mais tempo embaixo d’agua e vinha subindo a superfície, então Jurema estendeu-lhe a mão para que saísse rápido da água e apontou a direção em que seu pai estava, ele saiu correndo para os braços do pai e irmã que o esperavam aflitos para um abraço.
Jurema encheu-se de coragem e saiu correndo pela borda da piscina em direção a criatura e aposta as pessoas que estavam tentando sair da água na tentativa de que elas com isso ganhassem tempo para sair da água enquanto ela distraia o ser misterioso.
Quando chegou perto daquilo que era ainda mais bonito do que se mostrará em sua visão, gritou: - Aqui! Vem atrás de mim! Eu estou aqui! Vem!
Rápido os seus olhos se cruzaram, ela percebeu que ele tinha olhar humano e meigo, e não entendeu com tanta meiguice o porquê de ele assustar a todos daquela forma.
Não queria arriscar sua vida por esta resposta, então, no mesmo segundo em que pensou isso correu, e ele atendendo ao seu pedido a abordou mais rápido do que fez com seu tio e num só pulo arrastou-a para o fundo.
Os olhos deles se fixaram por mais tempo e Jurema então soube que ele não a faria mal algum. O abraçou carinhosamente desejando de coração que ele a revelasse o que queria das pessoas e porque as amedrontava a todos daquela forma. Foi quando ambos subiram para a superfície, e ele a carregou pela boca até a parte da onde a havia puxado para baixo, dando mais um salto, ele saiu da água revelando-se em forma humana.
- Não quero fazer mal, quero apenas estar com vocês algumas vezes, mas sempre que me vêem fogem sem me dar tempo de me aproximar, por isso a minha única solução foi puxar para o fundo alguns de vocês para nadar comigo alguns segundos, esperando que um dia eu conseguisse encontrar um de vossa espécie que entendesse o que voz digo agora. Foi em uma das minhas recentes viagens que escutei entre os peixes que nestas areias havia uma fêmea capaz de fazer isso, deve ser você, então segui uma tartaruga que todos os verões vêm depositar seus ovos aqui. Qual é o seu nome?
-Jurema
-Lindo nome. Deu uma pequena pausa enquanto parecia querer decifrá-la com o olhar e continuou: - minha mãe, a rainha das águas, me disse desta vez, antes que eu saísse para essa viagem, que na minha volta para casa levaria comigo um presente raro, deves ser tu.
- Mas não sou coisa que se toma para ser levada, não posso seguir contigo para o fundo das águas.
- Mas, já estás comigo Jurema. Eu viajei durante milênios na tentativa de encontrar alguém que fosse igual a ti. Agora que te conheci, já te tenho carinho e, por isso posso te levar comigo para onde eu for. Já estás dentro de mim. Eu escolhi que seja assim ou posso também te deixar em meio a outras lembranças de viagem, perdida entre tantos aos outros humanos que sem importância já vi.
- Entendo. Queria poder te dizer que sinto esse mesmo carinho por ti, talvez eu até sinta, mas ainda não saiba. O que eu sei agora é que os teus olhos me prendem, e que se deseja me levares contigo com carinho então, eu também te levarei comigo e me lembrarei de ti toda vez que colocar meu corpo sob a água.
- Estou feliz em ter te encontrado Jurema.
- Eu também, criatura.
- Pode me chamar de seu.
- Meu?
- Sim, agora, sou seu.
- Bom, então, Seu, nos vemos amanha?
- Sim, nos primeiros raios de sol.
- Vai ser meu aniversário, posso pedir um presente?
- O que quiser.
- Sempre quis ter a estrela mais bela que existe no fundo do mar.
- Foi feita para estar em seus cabelos.
Ela sorriu.
- Até amanhã então.
E ele, tão lindo humano quanto criatura, alto, forte, com os cabelos molhados e grossos pela cintura, olhos brilhantes, meigos, coberto de escamas que mais pareciam uma armadura, em um único pulo, tomou de novo a forma de criatura assustadora, peixe enorme talvez capaz de engolir o mundo e tão rápido como entrou na piscina saiu rumo ao alto mar.
Todos olhavam apavorados para o que acabavam de avistar: um peixe que toma forma humana!
- Jurema você está bem? Perguntou a sua avó em estado de surpresa prosseguindo aflita. – Ele te machucou?
- Vovó acalme-se ele é inofensivo, não quer fazer mal a ninguém, quer apenas conversar, nos conhecer.
Enquanto isso as outras pessoas do parque já anunciam o acontecido a outras pessoas que não estavam no local. Via celular e internet, a notícia se espalhou pelo mundo como pólvora: ‘’Existe uma humana que conversa com todas as formas da Natureza, abre ostras com pensamento, e faz amizade com peixes assustadores’’. Em segundos já era estampado nos principais jornais científicos e sensacionalistas a imagem de Jurema e homem-peixe em conversação.
- Vamos subir todos para o Hotel. Chega de emoções por hoje, precisamos descansar. Disse a mãe de Jurema aos familiares ali reunidos que estavam sem saber o que fazer, uns ainda apavorados, outros curiosos sobre o estado de Jurema.
No fundo, ela parecia prever que a sua filha deixava de ser sua, e que o acontecido poderia tomar rumo incontrolável, até mesmo, assustador. 
Todos tiveram o sono leve aquela noite. Entre um rolar e outro na cama, pensavam sem parar no que tinha acontecido. Jurema era a única que se mantinha com a mesma aparência calma de sempre, porém também sem sono. Estava ansiosa para a chegada do amanhecer, ao contrário do medo que todos sentiam ela só queria de novo sentir à ternura que aqueles olhos molhados de mar transmitiam e o coração acalentado com cada palavra que saia da boca daquele que era agora Seu.
Já quase amanhecia. Pensou: hoje é meu aniversário, e logo vou ver o homem mais belo e único que fez pulsar diferente meu coração, será que é por ser também peixe? Questionou-se. Ah! Mas o que isso importa? Só quero vê-lo e estar junto dele mais uma vez. Pulou da cama, penteou os cabelos, enfeitou-se o mais bela que pode e saiu sem acordar ninguém rumo à piscina principal para encontrar o Seu, amado.
 O que jurema e o Seu não sabiam é que o parque tinha sido inundado de pessoas de todas as regiões do Planeta querendo conhecer a humana louca e o homem-peixe aberração. Tudo calmo como o de costume, os raios do sol já quase apareciam e as águas começam a se movimentar mais freneticamente, Jurema estava ansiosa. Ela deu bom dia as águas, conchas e seres dali e olhando fixamente para a entrada que dava para o alto mar, viu de longe o rasgão das águas. Era ele. Suspirou.
Mais rápido do que ela havia calculado pela distância, ele chegou. Saltou da água e em instantes já estava em pé ao lado dela, mais lindo ainda que no dia anterior.
- Bom dia Jurema! Nadei a noite inteira ansioso para te rever.
- Lindo dia! Eu também quase não dormi, queria muito que chegasse a hora de te ver mais uma vez.
- Toma. Não é tão bela quanto é você, nem tem o mesmo brilho que tem teus olhos, mas, deixe que ela tenha um pouco da tua exuberância enfeitando os teus cabelos.
- É muito linda. Não imaginava que existissem estrelas tão belas no fundo do mar.
- Existem coisas que vocês humanos, nem imaginam.
- Você pode me desejar feliz aniversário.
- É assim que se felicitam aqui?
-Sim
-Feliz aniversário
- Me beijar e abraçar também
- Queria fazer isto desde ontem, posso fazer sempre? Ou terei que esperar um novo aniversário? 
Sem esperar resposta a tomou em um abraço, ficaram assim grudamos sem falar nada durante alguns minutos, até que ele encostou de leve os seus lábios carnudos e molhados na face de Jurema estendendo-se até o ouvido depois descendo até o pescoço a cheirando suavemente.
- Pode ser sempre que eu e tu quisermos. Nos aniversários, mais ainda.
-Fico aliviado. Não aguentaria ter que esperar para te abraçar e beijar só algumas vezes.
Ela sorriu, pensando o mesmo.
- Como são os aniversários no fundo d’agua?
- Celebramos a vida, igual a vocês. Nossa diferença é que deixamos que o tempo apenas siga. Não há uma contagem, nem uma frase especial como esta que me disses-te há pouco. Minha espécie não é mortal, vivemos há milênios sem a ânsia de que estamos pertos ou não de chegarmos ao fim como fazem por aqui.
- Nossa! Com tantos anos já vividos me espanta saber que sou a única da superfície que até então, durante esses milênios todos, conseguiu conversar contigo.
- Espanta?
- Sim, existem alguns que me criticam por conversar com a Natureza, e contigo, por exemplo. Deu uma risada tímida.
- Espantoso são eles que vivendo junto dela e com os tantos seres que habitam na mesma terra se limitam em conversar só entre si, não acha?
- Tem razão!
Ele a toma pela mão, e a puxando para mais perto a beija devagar, mas, com desejo, ela nunca havia beijado assim antes, a ternura e paixão do envolvimento dos lábios e das línguas que se entrelaçavam era tanto que os seus corpos pareciam também querer se unir, entrar um no outro, desbravar-se e render-se para aquilo que antes não tinha sentido, mas, agora era uma certeza: ela também sentia por ele o mesmo carinho. Ela já não sabia dizer se era igual ou até com mais intensidade que ele, só sabia que se permitia ir com ele para onde quer que ele fosse e não tinha mais dúvidas que ele já a carregava consigo mesmo que ela não quisesse. Naquele beijo ela se entregou para o Seu, amor. 
- Não és a única jurema. Já houve outros de mim que encontraram pessoas iguais a ti, mas, eu sim, é que te encontrei só agora.
- Minha vida parece ter mais sentido agora que nos encontramos.
- Eu te procuro a tanto tempo, que te falar isso seria pouco para expressar como me sinto agora que estou diante de ti. Só quero estar. Assim, contigo. Se abraçaram.
 De longe viram que muitas pessoas se aproximavam deles, mas, com um ritmo de passos apressados, quase correndo.
- É normal isso acontecer aqui? Ele perguntou.
- Não, é estranho, geralmente neste horário muitos estão ainda dormindo ou tomando o seu café da manhã.
Mais fora do comum do que aquele monte de pessoas vindo àquela hora da manhã a piscina, era a impressão de que estavam todos indo justamente para a mesma direção a onde os dois estavam. Os passos antes aflitos pararam de rompante, começando um novo movimento agora de posicionamento de câmeras, telas de proteção e outros aparelhos, foi quando Jurema pode reconhecer em meio aquele monte de pessoas um rosto familiar, era o de sua prima que vinha parecia mais rápida que os demais até a onde eles estavam. Chegou esbaforida dizendo:
- Jurema, afaste-se dele agora! Estão vindo pegar vocês!
- O quê?
- Estão vindo pegar vocês!
- Como assim? Nos pegar?
- Jurema, ele não é humano! E a sua estranheza deixou de ser só familiar.
- Prima, o que está dizendo? Não sou estranha, e ele não fez mal a ninguém! Não vou a lugar nenhum!
- Jurema! Você é estranha, você fala com peixes. Nossa família saber é uma coisa, mas agora, mundo inteiro sabe. Vamos embora antes que eles avancem! Só me deixaram vir até aqui falar contigo por que sou sua prima e para tentar te convencer antes que eles usem a força.
- Força! Prima, por favor. Não estou acreditando. Quem são eles?
- Querem fazer testes.
- Testes?
-Sim. Em vocês! Temos que fugir. Já estamos com as malas prontas para partir. Já está tudo planejado. Quando ultrapassarmos aquela barreira. Está vendo?
- Prima, não vou a lugar nenhum.
- Seus pais estão te esperando.
- Não saio daqui e não vou deixar que o levem.
- Jurema, quem são essas pessoas? Ele perguntou.
- Devem ser pesquisadores, meu amor.
- Amor? Você o está chamando de amor? disse a prima.
- Sim. Jurema respondeu.
- Você enlouqueceu mesmo! Vamos embora agora! disse a prima.
- Prima, saia daqui! respondeu Jurema para a prima.
- Não! insistiu a prima. Eu tenho que te levar comigo. Prometi que te tiraria das garras deste ser, desta coisa aí. Eles vão usar violência. Não quero que te machuquem, é melhor fugirmos agora, antes que peguem vocês dois. Jurema pense: essa coisa pode voltar para o mar agora mesmo e nunca mais vão conseguir pega-lo, mas você não, tu vai ter que viver aqui, na terra, com a perseguição de todas essas pessoas querendo saber como você fala com homens-peixe, consegue colar de pérolas de uma única ostra! Sim! Até disso eles já sabem. Temos que fugir.
Jurema então respondeu a prima: entendo sua preocupação, você tem a razão que me falta agora, mas, eu tenho todo o amor que sempre desejei sentir. Ele me procura há milênios. Agora que nos encontramos, não posso partir e deixá-lo para trás. Perdoe-me e entenda, explique meus motivos a nossa família, façam com que se sintam felizes por mim e não preocupados. Eu estou bem aqui, e agora que ele está comigo estou melhor do que nunca estive antes. Este ser que não sabes o nome é o Seu, o meu amor. Agora vá, eu ficarei aqui e pagarei o preço que tiver que ser para viver isso e se for uma vida inteira de perseguição que eu o faça então valer a pena cada minuto. Agora vem, me abrace.
A Prima sem saber o que dizer depois das palavras de Jurema, a abraça com carinho e se despede dizendo: - Espero que tenhas feito à escolha certa. Farei o impossível para acalmar nossa família, e tome cuidado. Eles não estão para brincadeira. Querem a todo custo pega-los. E você, Seu, cuide bem de nossa Jurema. Ela é uma flor rara nesta terra de incompreensão. Ela saiu com os olhos molhados, mas aliviada por ter alertado ambos do perigo que estavam correndo, desejando de coração que tudo ficasse bem e foi cumprir a sua promessa de acalmar a família que assistia tudo de longe impedida de se aproximar.
- Jurema, não sabia que revelar a existência de minha espécie traria tantos problemas. Eu só queria estar perto de você.
- Não trouxe problemas, é que aqui quando um se revela diferente do que impuseram como normal é tido como uma ameaça.
- Jurema, e acariciando os cabelos negros e brilhosos dela, prosseguiu: - vamos resistir. Eu te amo. Sempre te amei, mesmo antes de te conhecer. Você está ainda mais linda hoje.
Mal conseguiu terminar a frase e ouviram os gritos:
- Afasta-se dela ou vamos atirar!
- Eles vão fazer isso meu amor. Não falam brincando e para tudo usam a violência como último recurso. O que vamos fazer?
- Você também me ama?
- Como nunca amei ninguém antes.
- Então vamos para o fundo do mar comigo.
- Afaste-se dela agora! Continuavam a gritar agora mais alto e mais próximo.
- Não posso, não conseguiria viver lá. Eu sempre quis, mas, não resisto muito tempo embaixo d’agua.
Em um impulso ele enfia com força a mão dele na região pulmonar arrancando com pressa uma de suas brânquias.
- Não! Meu Deus! Meu amor, não!
Jurema chorava inconformada com a automutilação de seu amado.
- Confie em mim!
Ele sangrando muito a agarra por trás e arranca um de seus pulmões, imediatamente ela desfalece de dor. Só então ele percebe o quanto ela era frágil fisicamente embora forte em espírito. Os outros vendo aquilo começaram a atirar nele que não a largava tentando proteger a sua fragilidade dos tiros daqueles seres insensíveis que deveriam estar pensado que a tomava como escudo. Pensou: Preciso agir rápido, antes que ela saia mais ferida. Consegue na brecha do recarregamento das armas tempo suficiente de colocar no lugar no pulmão de Jurema a sua Brânquia. Ela não acorda. Ele a chama, ela não responde. Era hora de pular na água antes que fosse tarde de mais.
Pulou na água e tomando forma de peixe a carregou pela boca nadando tão rápido como nunca havia feito antes. Nadou, Nadou. Tão fundo ao desconhecido para chegar a sua morada. Chegando cansado e com o coração apertado por que Jurema não tinha reagido de nenhuma forma durante toda a viajem, foi direto a procura de sua mãe:
-Meu filho, não fale nada. Apenas a deixe aqui.
- Minha mãe, esta é Jurema.
- Eu sei, é o ser raro que eu sabia que traria para o nosso lar.
- Minha mãe, por favor, a salve! Eu não entendo. Ela não reage, eu achei que ela resistiria.
- Meu filho, ela é humana, tem uma reação diferente de nós a uma agressão física. Eu sei que as suas intenções foram às melhores. Sei que não queria feri-la. Não se culpe, porque ela também aceitou o seu destino quando disse que iria contigo a onde quer que fosse.
- Era para ser assim minha mãe? Eu procurar durante tanto tempo o amor de minha vida para então causar a morte dele e perder Jurema para sempre? Não minha mãe! Não poderei aceitar isso, não conseguirei viver com esta culpa. Queria então que ela continuasse viva, mesmo que fosse longe de mim, ao menos a contemplaria sempre que pudesse sem que os outros humanos percebessem.
- Meu filho, era este o destino de vocês dois. Você tem que aceitar, tentar entender, não se revoltar e principalmente não se antecipar para não correr o risco de se perder em questionamentos que o deixarão cego para as soluções que estão a sua frente.
- Minha mãe, você é a rainha das águas, por favor, não vê que estou em desespero! O meu amor, Jurema! Está aqui em seus braços. Dá-lhe a chance de viver mais uma vez agora ao meu lado.
- Meu filho, sempre afobado. Não deves ter escutado nada do que te disse até agora, não é? Escute: Não te desespere! Não pediu ao seu amor que confia-se em ti? Então, porque não faz o mesmo com a sua mãe? Disse-te antes de partir que voltaria com uma raridade. Era de Jurema que me referia. Ela era a flor mais especial que habitava em terra, mas, sempre pertenceu ao nosso mundo. Ela foi a mando dos Deuses para lá com a missão de espalhar entre eles a beleza que tens no coração, e amor incondicional entre as criaturas, mas, os humanos ainda não estão preparados para conhecer tal lição de vida e amor. O encontro de vocês já estava marcado há milênios bem como a sua busca incansável por ela, o seu amor, a Jurema. Tudo acontece no tempo certo meu filho. Foi preciso que ela completasse a maior idade terrena para que seus pais entendessem que ela não pertencia mais a eles e sim ao mundo, e que tinha suas próprias vontades e que podia agora tomar suas próprias decisões. Antes disso você não teria conseguido chegar perto dela, também não teria mais sentido deixá-la entre os homens durante mais tempo, poucos são aqueles que conseguem compreender o amor universal e muito são os que desperdiçam tempo questionando verdades por apegarem-se só naquilo que podem ver e pouco no que podem sentir. Meu filho acalma-te, Jurema já era de nosso lar, ela só está voltando. Era o desejo dos deuses que se encontrassem agora e nas circunstâncias que foram. Os humanos estão todos agora se questionando sobre o que viram, nossa esperança é que depois disso possam também acreditar no verdadeiro amor, que você e Jurema mostraram a todos ter um pelo outro quando não desistiram de viver isto fosse o que custasse. Não se negaram diante as dificuldades. Precisam também aprender a aceitar e respeitar que existe muito mais do que eles supõem existir no universo. Tu tinhas que desfalecer Jurema, portanto, não se culpe, mas, para fazê-la renascer entre nós. Assim como você a procurava há muito tempo ela também te esperava pelo tempo igual. Vou acordá-la agora. E acariciando os longos cabelos negros de Jurema cantarolando uma música tão bela que ninguém no fundo do mar ainda havia escutado a mão das águas acordou Jurema que abriu os seus olhos cor de mel luminosos, e ainda mais bela e viva do que nunca, com um largo sorriso reconheceu seu verdadeiro lar, deu demorado abraço na rainha mãe perguntando em seguida pelo o Seu, o único e verdade amor, que em lágrimas a observava acordar pronto para recebe-la beijá-la e viver com ela uma vida eterna.

AUTOR: Iriana Gonçalves dos Santos Schaedler

sábado, 7 de maio de 2011

Não espere o amanhã para dizer

Não deixe para amanhã para dizer:
Eu amo você!
Estou com saudades de você!
Perdoe-me!
Desculpe-me!
Esta flor é para você!
Você está tão bem!

Não deixe para amanhã
O seu sorriso,
O seu abraço,
O seu carinho,
O seu trabalho,
O seu sonho,
A sua ajuda…

Não deixe para amanhã para perguntar:
Por que você está triste?
O que há com você?
Ei!… Venha cá, vamos conversar…
Cadê o seu sorriso?
Ainda tenho chance?
Já percebeu que eu existo?
Por que não começamos de novo?
Estou com você. Sabe que pode contar comigo?
Cadê os seus sonhos? Onde está a sua garra?

Lembre-se:
Amanhã pode ser tarde… Muito tarde!
Procure. Vá atrás! Insista! Tente mais uma vez!
Só hoje é definitivo!
Amanhã pode ser tarde…


quinta-feira, 5 de maio de 2011

NATUREZA VIVA


NATUREZA VIVA
À memória de Orlando Bernardes

Como você sabe, dirás feito um cego tateando, e dizer assim, supondo um conhecimento prévio, faria quem sabe o coração do outro adoçar um pouco até prosseguires, mas sem planejar, embora planejes há tanto tempo, farás coisas como acender o abajur do canto depois de apagar a luz mais forte no alto, criando um clima assim mais íntimo, mais acolhedor, que não haja tensão alguma no ar, mesmo que previamente saibas do inevitável das palmas molhadas de tuas mãos, do excesso de cigarros e qualquer coisa como um leve tremor que, esperas, não transparecerá em tua voz.
Mas dirás assim, por exemplo, como você sabe, a gente, as pessoas infelizmente têm, temos, essa coisa, as emoções, mas te deténs, infelizmente? o outro talvez perguntaria por que infelizmente? então dirás rápido, para não te desviares demasiado do que estabeleceste, qualquer coisa como seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente, insistirás, infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções. Meditarias: as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra. Há os níveis não formulados, camadas imperceptíveis, fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumprem e sobretudo, como dizias, emoções. Que nem se mostram. Por tudo isso, infelizmente, repetirás, insistirás completamente desesperado, e teu único apoio será a mão estendida que, passo a passo, raciocinas com penosa lucidez, através de cada palavra estarás quem sabe afastando para sempre. Mas já não sou capaz de me calar, talvez dirás então, descontrolado e um pouco mais dramático, porque meu silêncio já não é uma omissão, mas uma mentira. O outro te olhará com olhos vazios, não entendendo que teu ritmo acompanharia o desenrolar de uma paisagem interna absolutamente não verbalizável, desenhada traço a traço em cada minuto dos vários dias e tantas noites de todos aqueles meses anteriores, recuando até a data maldita ou bendita, ainda não ousaste definir, em que pela primeira vez o círculo magnético da existência de um, por acaso banal ou pura magia, interceptou o círculo do outro.
No silêncio que se faria, pensas, precisarás fazer alguma coisa como colocar um disco ou ensaiar um gesto, mas talvez não faças nada, pois ele continuará te olhando com seus olhos vazios no fundo dos quais procuras, mergulhador submarino, o indício mínimo de algum tesouro escondido para que possas voltar à tona com um sorriso nos lábios e as mãos repletas de pedras preciosas. Mas nesse silêncio que certamente se fará talvez acendas mais um cigarro, e com a seca boca cerrada sem nenhum sorriso, evitarias o mergulho para não correres o risco de encontrar uma fera adormecida. Teu coração baterá com força, sem que ninguém escute, e por um momento talvez imagines que poderias soltar os membros e simplesmente tocá-lo, como se assim conseguisses produzir uma espécie qualquer de encantamento que de repente iluminaria esta sala com aquela luz que tentas em vão descobrir também nele, enquanto dentro de ti ela se faz quase tangível de tão clara.
Nítida luz que ele não vê, esse outro sentado a teu lado na sala levemente escurecida, onde os sons externos mal penetram, como se estivessem os dois presos numa bolha de ar, de tempo, de espaço, e novamente encherás o cálice com um pouco mais de vinho para que o líquido descendo por tua garganta trêmula vá ao encontro dessa claridade que tentas, precário, transformar em palavras luminosas para oferecer a ele.
Que nada diz, e nada dirás, e sem saber por quê imaginas um extenso corredor escuro onde tateias feito cego, as mãos estendidas para o vazio, pressentindo o nada que tu mesmo prepararias agora, suicida meticuloso, através de silêncios mal tecidos e palavras inábeis, pobre coisa sedente, te feres, exigindo o poço alheio para saciar tua sede indivisível.
Anjos e demônios esvoaçariam coloridos pela sala, mas o caçador de borboletas permanece parado, olhando para a frente, um cigarro aceso na mão direita, um cálice de vinho na mão esquerda.
A presença do outro latejaria a teu lado quase sangrando, como se o tivesses apunhalado com tua emoção não dita.
Tuas mãos apoiadas em bengalas mentirosas não conseguiriam desvencilhar o gesto para romper essa espessa e invisível camada que te separa dele. Por um momento desejarás então acender a luz, dar uma gargalhada ridícula, acabar de vez com tudo isso, fácil fingir que tudo estaria bem, que nunca houve emoções, que não desejas tocá-lo, que o aceitas assim latejando amigo belo remoto, completamente independente de tua vontade e de todos esses teus informulados sentimentos.
No momento seguinte, tão imediato que nascerá, gêmeo tardio, quase ao mesmo tempo que o anterior, desejarás depositar o cálice, apagar o cigarro e estender duas mãos limpas em direção a esse rosto que sequer te olha, absorvido na contemplação de sua própria paisagem interna.
Mas indiferente à distância dele, quase violento, de repente queres violar com tua boca ardida de álcool e fumo essa outra boca a teu lado.
Desejarás desvendar palmo a palmo esse corpo que há tanto tempo supões, com essa linguagem mesmo de história erótica para moças, até que tua língua tenha rompido todas as barreiras do medo e do nojo, subliterário e impudico continuas, até que tua boca voraz tenha bebido todos os líquidos, tuas narinas sugado todos os cheiros e, alquímico, os tenhas transmutado num só, o teu e o dele, juntos - luz apagada, clichê cinematográfico, peças brancas de roupa cintilando jogadas ao chão.
E desejá-lo assim, com todos os lugares-comuns do desejo, a esse outro tão íntimo que às vezes julgas desnecessário dizer alguma coisa, porque enganado supões que tu e ele vezenquando sejam um só, te encherá o corpo de uma força nova, como se uma poderosa energia brotasse de algum centro longínquo, há muito adormecido, todas as princesas de todos os contos de fada desfilam por tua cabeça, quem sabe dessa luz oculta, e é então que sentes claramente que ele não é tu e que tu não serás ele, esse ser, o outro, que mágico ou demoníaco, deliberado ou casual te inflama assim de tolos ardores juvenis, alucinando tua alma, que o delírio é tanto que até supões ter uma. Queres pedir a ele que simplesmente sendo, te mantenha nesse atormentado estado brilhante para que possas iluminá-lo também com teu toque, tua língua terna, a rija vara de condão de teu desejo.
Mas ele nada sabe, nem saberá se permaneceres assim, temeroso de que uma palavra ou gesto desastrados seriam capazes de rasgar em pedaços essa trama onde te enleias cada vez mais sem remédio, emaranhado em ti e tuas ciladas, em tua viva emoção sintética a ponto de parecer real, emaranhado no desconhecido de dentro dele, o outro - que no lado oposto do sofá cruza as mãos sobre os joelhos, quase inocente, esperando atento e educado que de alguma forma termines o que começaste.
Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa da paixão, será surpreso que o olharás agora, porque ele nada sabe de seu poder sobre ti, e neste exato momento poderias escolher entre torná-lo ciente de que dependes dele para que te ilumines ou escureças assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso negar-lhe o conhecimento desse estranho poder, para que não te estraçalhe entre as unhas agora calmamente postas em sossego, cruzadas nas pontas dos dedos sobre os joelhos.
Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele. Que não suspeitará da tua perdição, mergulhado como agora, a teu lado, na contemplação dessa paisagem interna onde não sabes sequer que lugar ocupas, e nem mesmo se estás nela.
Na frente do espelho, nessas manhãs maldormidas, acompanharás com a ponta dos dedos o nascimento de novos fios brancos nas tuas têmporas, o percurso áspero e cada vez mais fundo dos negros vales lavrados sob teus olhos profundamente desencantados. Sabes de tudo sobre esse possível amargo futuro, sabes também que já não poderias voltar atrás, que estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, sejam quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar que essa porta a ser aberta agora, logo após teres dito tudo, te conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Por trás de todos os artifícios, só não saberás nunca que nesse exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado, acendes o abajur no canto da sala depois de apagar a luz mais forte no alto. E finalmente começas a falar.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

Esperança


 
"Sei que tenho algo a fazer, não sei o que, então apenas sigo". Talvez todos sintam isso às vezes, e só caminhem simplesmente por ter que seguir. 
Saber o que deve ser feito, e fazer ao contrário daquilo, é escolher um caminho de aprendizagem mais difícil. Quando se sabe qual o caminho e conduta se deve ter, e mesmo assim nos ferimos, ou a outros, e neste caso, o prejudicado permanece sendo nós mesmos, torna o caminho insuportável.
 A tristeza e as decepções conosco e outros, quando guardadas no interior mais profundo de nosso ser, acumulam-se e criam raízes que ferem as nossas almas. Devemos apenas aceitar que somos todos iguais, pois vibramos, vivemos e respiramos do mesmo ar na terra, com a graça de continuarmos sendo incomuns, únicos, donos de nossos próprios pensamentos, desejos e especiais nessa singularidade.
 Enxergar e aceitar nós mesmos e a um irmão, da forma como realmente somos, e não da maneira como imaginamos ser, talvez seja umas das missões mais difíceis dada por Deus à nós. Quando despertamos a consciência de que vivemos em um vasto universo e que por isto somos pequenas partículas de um todo, passamos a entender que cada ação emana uma interferência na unidade que pode ser tanto positiva ou negativa. 
Percebemos no livre arbítrio da ação, o quão importante é qualquer decisão e aprendemos a calcular os danos ou melhorias de que ela pode causar aos outros e à nós mesmos. Compreendemos o valor da nossa vida e a de outros, por saber que uma força depois de ser lançada no universo, retorna a quem lança no mesmo estado vibracional, positivo ou negativo lançado.
Não temos o controle sobre o tempo que já se foi e sobre o que já fizemos com ele, mas, podemos escolher viver melhor nos próximos segundos, vibrando no presente uma energia de luz que somada às outras de mesmo nível vibracional, ganha forma no amor incondicional por nós mesmos e de outras criaturas. Nos lapidamos desejando o melhor a todos, e experimentamos com isso viver na paz, que não está em outro lugar a não ser em nós mesmos. 
A vida é movimento. É preciso pensar, sentir, medir e tentar, no mínimo, prever o que virá depois de cada ação, se não, acabamos vivendo a mercê de resultados inesperados ou na lamentação do que teria sido, se tivéssemos agido diferente. 
Alivia sabermos que quando o caminho ficar torto, pesado e cansativo, sempre nos restará o recomeçar, no movimento do tempo ofertado em nossa vida. Não é preciso vivermos nos mesmos erros quando apreendemos a recomeçar. A vida é eterna mutação, podemos nos permitir escolher o caminho mais próximo do tranquilidade, paz, amor e fé.
O sentido da vida floresce em nossa alta quando aceitamos acender a luz divina que vive em nós. Quando essa luz floresce não nos sentimos mais perdidos, nem seguimos apenas por seguir. Passamos a entender que por mais desesperadora que possa parecer estar a nossa vida agora, para tudo há uma solução, basta mantermos o coração aberto para receber o amor de Deus.
 
Marechal Cândido Rondon/PR, 03 de Abril de 2011.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Gente velha é assim mesmo



Manhã de Sexta-feira e fui chamada por mensagem instantânea em um desses programas popularmente bem aceitos, que volta e meia oferecem uma nova versão, trazendo mais futilidades que chamam de utilidades, e que na maioria das vezes depois de atualizado nem mesmo notamos o que é que mudou no programa. Atualizamos o "bendito", mas, só para poder dizer que estamos agora, com a versão mais recente disponível no mercado ou, para nos livrarmos, na maioria das vezes, daquele recado insistente do software que nos avisa repetidamente que existem atualizações a serem feitas.
Tenho até que dar risada da maneira como escreve agora, pois o chamado de mensagem instantânea foi de um amigo em que a partir disto se desenvolveu um assunto. É bom lembrar que conversa e assunto são coisas diferentes. Uma conversa se dá por qualquer motivo, um pedido de informação dá margem a uma conversa, mas daí surgir um assunto é coisa diferente. O nosso assunto hoje foi à velhice.
Comentei com ele que estou fazendo aniversário neste domingo e ele prontamente respondeu-me que se saísse da sua cidade hoje, chegaria a tempo em minha cidade para a festa. Respondi a ele que não estou com a mesma intensidade de comemoração que tinha em anos anteriores e que no máximo faria um churrasco com familiares e amigos mais próximos. Complementei ainda a informação. que não sabia o motivo de eu estar comemorando tão tímida este ano o meu aniversário, pois sempre fui muito animada e por vezes até insistente, revolucionando muitas pessoas para um festão. Refletindo sobre as tantas palavras escritas aqui, devo concordar com a resposta que ele me deu à minha ausência de empolgação: "gente velha é mesmo assim".
É verdade, eu estou ficando mais velha. Estou ficando também mais sábia, mais bonita, inteligente, interessante, e com toda a certeza mais eu. Ainda não sinto as dores da velhice e não tenho problema algum com o aumento de rugas, penso que o certo seria se todos vivessem e assumissem a sua verdadeira idade. Quem sabe assim pouparíamos os nossos olhos de verem adultos agindo como crianças e, adolescente e crianças assumindo papeis de adultos. Devíamos apenas assumir a nossa idade e, vive-la na nossa época e na hora certa. 
Hoje aceito não ter mais a mesma paciência e disposição para bancar festas fenomenais aos inúmeros não amigos apenas para em quantidade me satisfazer com uma alegria ilusória em um dia tão importante como o do meu renascimentoHoje mais me vale pouca companhia, mas, de bons e verdadeiros amigos. Essas são percepções que só vem mesmo com a idade... Assumo sem receito ser de outra geração, daquela que não tinha computador e internet, porque o acesso a essas ferramentas inexistia ou era elitizado. Na ausência da tecnologia, me restava correr pelas ruas, "fechar a quadra" e jogar vôlei, brincar de esconde-esconde no entardecer ou de verdade e consequência, mas, só para saber se o menino que eu estava apaixonada era capaz de em consequência, segurar a minha mão por um pouco mais que cinco minutos. A pureza e o encantamento dos relacionamentos amorosos realmente ficaram no passado. Agora é mais fácil "catar" e quem dera que esta palavra estivesse aqui só no literal, alguém em uma balada para um sexo sem compromisso e guardar o prazer para a hora do bye bye baby. Tenho preguiça de relacionamentos vazios. Sou muito mais a favor do amor.
Hoje agradeço viver e estar na minha idade atual com uma bagagem de experiências que não me permitem mais cometer os mesmos erros e, nem mesmo olhar para trás com arrependimento. Não cabe mais em mim a inconsequência desvairada e os pensamentos sem futuro, sei agora, diferente de muitos dos que estão com a minha mesma idade, distinguir o que eu quero e o que não quero para a minha vida. E, mesmo a percepção de que todos somos sós, eu nunca ando sozinha. Para as pessoas que me amam e consequentemente vibram e choram com cada passo meu, desejo sempre vê-los sorrindo e felizes, que se sintam orgulho com as minhas atitudes e decisões nesta vida, pois a felicidade deles é para mim tão importante como a minha própria. 
Se eu tivesse que escrever sobre as coisas que quero hoje de presente de aniversário, resumiria brevemente a um computador capaz de armazenar um programa de mensagens instantâneas que trouxesse a mim pessoas que ainda acredito terem bom coração, pessoas como o meu amigo, para tê-lo comigo nessa data especial. Quero ter um amor para vida inteira e ser feliz ao lado de quem me ama. Quero ter dinheiro para viver dignamente. Quero conhecer alguns de meus ídolos, porque existem sonhos para serem sonhados e outros para serem realizados. Quero viajar muito. Quero ter filhos, boa saúde, e que todos tenham isso também, Quero estar rodeada de pessoas do bem, que amam e respeitam o próximo, sensíveis para amar também a natureza, pessoas de boa índole e caráter, leais e verdadeiras. Quero escutar boa música, ler muitos livros, quiçá escrever um, ir ao cinema, passear de mãos dadas nos dias de folga, contemplar as estrelas, escutar o barulho do mar, ser apenas feliz e mais nada.